quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Chillaneja



“Palavras flutuam como uma chuva sem fim dentro de um copo de papel’’ (Across the Universe)

Madrugadas em claro. Tardes livres. Crônicas inacabadas. Vinho doce. Jogatina. Cigarros de palha. Chico. Mapa astral. Café com gotinhas de chocolate. TV falando sozinha. Alguma coisa sobre o Senado. Tudo sobre Nelson Rodrigues. Fotos e ficção. Gestos espalhafatosos. Chillaneja dependurando-se na penumbra.

Quarta Feira Ingrata
(Luiz Bandeira)

É de fazer chorar
Quando o dia amanhece
E obriga
O frevo acabar
Oh Quarta Feira ingrata
Chega tão depressa
Só pra contrariar
Quem é de fato
Um bom pernambucano
Espera um ano
E se mete na brincadeira
Esquece tudo
Quando cai no frevo
E no melhor da festa
Chega a Quarta Feira...

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Quase uma fotografia do Man Ray

Man Ray, Le violon d'Ingres (Kiki) 1924
Sem Título

Uma música cega
Um filme calado
Uma nudez noturna
Você é meu canto
Meu segredo
Minha prece
Inaudível.

Menino de março
Na janela
Da fotografia ancestral
O sol escorrendo
Nas vidraças celestes
Do tempo
Que precede o tempo.

Meu relato rouco
Meu grito pouco
Meu vermelho pálido
Meu negro
Minha poesia
Escrita na escuridão
Divorciada das sombras.

Encosta outonal
Povoada de quereres
Um desvario febril
O vento atravessando
O eco e as folhas
No mediterrâneo
De nós.

''Conheci um americano que faz lindas fotos. Ele me diz: Kiki, não me olha assim, você me perturbar.'' (Kiki,''Queen of Montparnasse'', sobre Man Ray)

''O tipo de beleza mais nobre é aquele que não arrebata de repente, que não faz ataques impetuosos e inebriantes (esse provoca com facilidade o tédio), mas que se insinua lentamente, que se encarrega consigo quase sem saber e que um dia, em sonho, se redescobre, mas que, por fim, após ter ficado modestamente em nosso coração, toma posse completa de nós, enche nossos olhos de lágrimas e nosso coração de desejo.'' ( ''A Lenta Flecha da Beleza'' em Humano, Demasiado Humano, de Nietzsche)

Prendimi L'Anima


 A Desatar Estreitos Nós (sobre um tempo com gosto de fim)

Eu observava o tempo
Que tombou
Numa manhã sem sol

A perder de vista
Na imensidão
Desobrigada de luz
Um petroleiro levava o sal
Das minhas lagrimas
E, pela primeira vez,
Eu experimentava o insosso
Do corpo
Da vida
Lavrando o vazio.

Calcei a lembrança dos cansaços
Da fala estreita
E dos corpos em brasa
Que esquecemos na chuva.

Era ventre murcho
E choro devagarinho
Revolvendo o silêncio
Torcido
Que não cala.


Interlúdio:
  
(...)
- Por que Deus a mandou fazer isso? Para salvar seu povo.
- Primeiro ela o seduz, depois corta sua cabeça. Veja a expressão dela, ela parece mesmo alguém que executa ordens de Deus? (...) Olhe com atenção, Dr. Jung: os olhos dela, a sensualidade de sua boca, seus seios a mostra, sua mão cheia de jóias segurando a cabeça dele. Não, Judith não matou Olofernes porque Deus mandou.
- E por que?
- Ela o matou porque o amava.

(Fragmentos do diálogo entre Sabina Spielrein e Carl Jung diante de Judith II de Gustav Klimt. Retirado do filme Jornada da Alma (Prendimi L'Anima) de Roberto Faenza, de 2003.)

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Soneto do amor a você (Kiki)

Amo você (Kiki) mais que a própria vida em um instante
Não me fazes mal, apenas escorregamos nossos caminhos
Amo você (Kiki) no incomensurável dos nossos carinhos
Capaz de fazer-me-a mover encantos devotadamente

Amo você (Kiki) em instantes que valem pela minha vida
Mesmo que custem, ainda que sempre, a saudade
Amo você (Kiki), e não prezo pela assertividade
Mas pelo calor do coração quando és deveras atrevida

Amo você (Kiki) na Cecíliana significação de liberdade
Sem a necessidade de que seus lábios expliquem
Com o doce sabor do meu coração que entende

Amo você (Kiki) com nossa paixão que se movimenta
Em fases da lua, simples minguando ou como um lobo
Forte e menino como nunca deixarei de ser

domingo, 5 de dezembro de 2010

Nota de rodapé


''Quando o poeta fala, como às vezes o faz, em alcançar a imortalidade através de sua poesia, não pretende dizer que espera, como fausto, viver para sempre, mas que pretende ressuscitar dos mortos. Na poesia, como em outras questões, a lei determina que todo aquele que deseja salvar a própria vida deve perdê-la" W. H. Auden

Em memória desta tarde linda de domingo, agraciada por tempestades e caricias tenras. E também do vinho, dos encontros, dos olhares audazes na sala de jantar, dos discos e sonetos - da nova etapa literária e existencial que inauguramos em nossas vidas.  

sábado, 4 de dezembro de 2010

Soneto do amor transcendente

Jamais tirarei os olhos de você amada (kiki)
Com tamanha delicadeza e relevância
Que todos os outros olhos ficarão a distância
E assim, tu sempre serás a mais doce adorada

Cambiarei a vida efêmera por eterna
E cantarei a todos cada infinito momento
No pesar, no amar ou no simples contento
Onde te alimentas e jamais consterna

Agora, “aspetto” o tempo implacável que virá
e com ele nada mais democrático que o fim (meu)
Ou a dor por te amar além da própria vida

Meus olhos, em sonhos, te dirão o que viram
No infinito particular, mesmo sendo nosso
O amor que transcende, ainda que humano.

Beija eu

Os amantes azuis (1916) - Marc Chagall

Antes que a dança sóbria atravesse versos surdos
e acasos à deriva

Antes que os abismos aconteçam
e descanse a minha vergonha

Antes que desmaie o tempo
que entardeça as horas e se apague a música

Antes que eu confesse o medo e costure a chama
ante meu ventre em flor

Antes que eu me deite em rede e descanse em sono
e nunca mais cantigas de amor

Antes que essa trégua exploda em fim
E eu não me responsabilize pelas minhas primaveras

Chegue mais perto, cale a palavra em minha voz.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Ao seu lado

Meus olhos vivem ao ver seu corpo
Seus cabelos cor de lua nova
Cobrem o branco da sua pele
Num contraste intenso e pitoresco
Velo-te enquanto o silêncio me fala de você
Todo meu ser arde vibrante pelos teus campos
Amo-te ardentemente e profusamente
Estou em profundo rebento e minhas velas se tecem
Aguardam para alinham-se aos seus ventos
Minhas monções em nossas rotas
Agitam os mares calmos a espera de brisa
Onde lindos e únicos poderemos ser
No encontro de silencio e sonhos
E carinhos meus que fizeram-se teus
No avesso do avesso de toques, beijos e calor
Cúmplices num juramento selado pelos gozos
De sermos um até morrer em nossas histórias
Predestinadas a cuidar dos olhos trocados
Precisos no sangue perdido em nossas veias
Becos únicos no infinito de nosso amor.





quarta-feira, 1 de dezembro de 2010